domingo, 16 de agosto de 2009

A complicada arte de ver

Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas.

Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões… Agora, tudo o que vejo me causa espanto.”

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta… Os poetas ensinam a ver”.

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram”.

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, “seus olhos se abriram”. Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em “Operário em Construção”: “De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção”.

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam… Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: “A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas”.

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar “olhos vagabundos”…


Rubem Alves, educador, escritor.
Publicado pela Folha on line em 26-10-2004.

sábado, 8 de agosto de 2009

FELIZ DIA DOS PAIS !!!



Dizem que o primeiro a comemorar o Dia dos Pais foi um jovem chamado Elmesu, na Babilônia, há mais de 4.000 anos. Ele teria esculpido em argila um cartão para seu pai.
Mas a instituição de uma data para comemorar esse dia todos os anos é bem mais recente...
Em 1909, a norte-americana Sonora Louise Smart Dodd queria um dia especial para homenagear o pai, William Smart, um veterano da guerra civil que ficou viúvo quando sua esposa teve o sexto bebê e que criou os seis filhos sozinho em uma fazenda no Estado de Washington. Foi olhando para trás, depois de adulta, que Dodd percebeu a força e generosidade do pai.
O primeiro Dia dos Pais foi comemorado em 19 de junho de 1910, em Spokane, Washington. A rosa foi escolhida como a flor oficial do evento. Os pais vivos deviam ser homenageados com rosas vermelhas e os falecidos com flores brancas.
Pouco tempo depois, a comemoração já havia se espalhado por outras cidades americanas. Em 1972, Richard Nixon proclamou oficialmente o terceiro domingo de junho como Dia dos Pais.
O pai brasileiro ganhou um dia especial a partir de 1953. A iniciativa partiu do jornal O Globo do Rio de Janeiro, que se propôs a incentivar a celebração em família, baseado nos sentimentos e costumes cristãos.
Primeiro, foi instituído o dia 16 de agosto, dia de São Joaquim. Mas, como o domingo era mais propício para as reuniões de família, a data foi transferida para o segundo domingo de agosto.
Em São Paulo, a data foi formalmente comemorada pela primeira vez em 1955, pelo grupo Emissoras Unidas, que reunia Folha de S. Paulo, TV Record, Rádio Pan-americana e a extinta Rádio São Paulo. O grupo organizou um grande show no antigo auditório da TV Record para marcar a data. Lá, foram premiados Natanael Domingos, o pai mais novo, de 16 anos; Silvio Ferrari, de 96 anos, como o pai mais velho; e Inácio da Silva Costa, de 67 anos, como o campeão em número de filhos, um total de 31.
As gravadoras lançaram quatro discos em homenagem aos pais. O maior sucesso foi o baião É Sempre Papai, com letra de Miguel Gustavo, interpretada por Jorge Veiga. O Dia dos Pais acabou contagiando todo o território brasileiro e até hoje é comemorado no segundo domingo de agosto.

Muitos países têm datas especiais para homenagear os pais. A Inglaterra e a Argentina também comemoram a data no terceiro domingo de junho. Na Itália e em Portugal, a homenagem acontece no Dia de São José, 19 de março. Na Austrália, é no segundo domingo de setembro. E na Rússia, no dia 23 de fevereiro.